quinta-feira, 24 de agosto de 2006

A TV na linha de frente do combate eleitoral

Quem ainda não parou os olhos em frente à telinha na sala de casa para observar o show de promessas eleitorais está deixando de participar do processo de captação eleitoreira, uma guerrilha que acontece a cada dois anos. Os candidatos brasileiros já se apresentam ao público com todas as armas disponíveis e estratégias previamente definidas. Basta um pouco mais de atenção e até você, que não é um Duda Mendonça, pode decifrar algumas delas.

Um dos fatores que colaboram fortemente para o sucesso das campanhas via TV é a característica do indivíduo do nosso país, que, como de praxe, não tem consciência – e nem interesse – pelo conhecimento. Sim, saber mais sobre o comportamento humano e social e estudar as práticas de quem compõe a estrutura política brasileira já é um bom começo para a percepção dos dispositivos deles e, conseqüentemente, aumentar sua munição intelectual extremamente valiosa no momento decisório.

Aqui vai uma mãozinha para quem se interessa pela disputa. Primeiro, é preciso que se reconheça os mitos da autocompreensão. São eles: o da liberdade humana, que a define como a capacidade de adotar crenças e comportamentos autônomos, baseados mais em convicções do que em doutrinamentos ou emoções; o da racionalidade humana, que trata do caráter dual da pessoa e do constante conflito entre razão e emoção, sendo esta a grande definidora de nossas decisões; o da consciência, que atribui aos estímulos inconscientes a maioria das atitudes que tomamos no dia-a-dia e, por fim, o mito da percepção objetiva, o qual afirma que perceber é um trabalho seletivo e de interpretação, condicionado tanto por padrões culturais como por tendências pessoais de caráter sentimental.

Agora, imagine você assistindo ao horário eleitoral gratuito tendo em mente o mínimo desse conhecimento. Já conseguimos algum avanço, certo? Mas a empreitada pela defesa da nossa capacidade de decisão não pára aqui. Exemplos de como a mídia já foi utilizada a serviço do poderio político também contribuem para o nosso objetivo.

Joan Ferrés, em Televisão Subliminar, descreve várias situações, em diversos lugares do mundo, nas quais a televisão e as artimanhas publicitárias foram determinantes para a vitória dos candidatos mais coerentes com a tecnologia de abrangência massiva. A conclusão de que “as campanhas eleitorais foram transformando-se em verdadeiros festivais nos quais o espetáculo conta mais do que a ideologia, a paixão mais do que a reflexão, a emoção mais do que a argumentação” (pág. 182) indicou um dos princípios-chave do Estado espetáculo: o conhecimento das emoções que o líder despertará e seu conseqüente aproveitamento.

O autor continua e justifica o poderio da televisão afirmando que os falsos mitos “impedem a tomada de consciência da complexidade da experiência de ser telespectador e, em conseqüência, do extraordinário poder socializador da televisão, do alcance real de seus efeitos”. (págs. 14 e 15) Imagens na imprensa escrita e na TV da morte de um oficial guerrilheiro no Vietcongue foi o necessário para sensibilizar os americanos, os quais sabiam que milhares de pessoas morriam no combate. O impacto emocional mobilizou a opinião pública contra a guerra, algo que centenas de páginas escritas não haviam conseguido. Um exemplo da influência da potência emocional no ser humano.

Inevitavelmente, o discurso político torna-se cada vez mais próximo do discurso publicitário, e nós, sem a percepção de que somos consumidores das propostas sociais, cedemos continuamente à sedução da mídia. Imagem pura. Muito longe do convencimento, somos vitimados pela beleza e influência espetaculares que a telinha proporciona. Nas histórias do mundo, temos o ator Mikhoels orientando Stálin; o famoso Goebbels, doutor em filosofia e ministro da Propaganda na Alemanha nazista, o fazia com Hitler; o publicitário baiano do início do texto também leva o mérito pela conquista da presidência do Brasil pelo pobre operário nordestino que recorre atualmente ao Botox rumo à disputa eleitoral de 2006. Vida de político não é fácil, não; e sai caro!.

Com estas proposições, já se pode contar com um bom armamento contra as tentativas de burla do inimigo: a compreensão do discurso político encenado e a percepção dos fatores que o legitimam, como a identificação provocada no receptor que se mostra, então, crédulo às “propostas”. Não esqueçamos jamais das pesquisas de opinião, principal mecanismo legitimador. É para estes alvos que nossa munição deve apontar. O lema é: “Precaução máxima com o aparelho de TV”. Alerta sempre. Enfim, são apenas recomendações rápidas em defesa do nosso patrimônio intelectual e financeiro.

Por Juliana Sousa

A seguir, algumas marcas de Duda Mendonça no governo e no PT:

Festa da posse
Foi totalmente concebida pelo publicitário, desde os desenhos dos palcos na Esplanada dos Ministérios até a idéia de que o presidente Lula percorresse a Esplanada em carro aberto, passando no meio da multidão. Também foi registrada por sua equipe em película, para exibição posterior.
Custo divulgado: R$ 1,5 milhão (total da festa)

Fome Zero
Duda idealizou o nome do programa de segurança alimentar, a logomarca (prato com talheres dentro da bandeira do Brasil) e a campanha publicitária na TV, com o slogan “O Brasil que come ajudando o Brasil que tem fome”. O locutor é o mesmo da campanha.
Custo: R$ 3,5 milhões

Logomarca do governo
A palavra “Brasil” aparece em várias cores, com uma bandeira do país na letra “a”. Abaixo, aparece um subtítulo: “País de todos”. A marca é usada para identificar obras, sites, documentos e propagandas do governo.
Custo: segundo a Secom (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), Duda não cobrou pelo trabalho.
Fonte: Revista Primeira Leitura

*Trocando de monitor:

Efeito Copa do Mundo: os acessos à internet caíram 70% durante os jogos do Brasil. Na televisão, a audiência quadruplicou.

Efeito horário eleitoral: 28% dos aparelhos de TV são desligados quando começa o programa eleitoral noturno. Os acessos à internet sobem 30% e as compras virtuais, 8%.

Fonte: Plug e Ibope.

Referências bibliográficas:
- FERRÉS, Joan. Televisão Subliminar: socializando através de comunicações despercebidas. Porto Alegre: Artmed, 1998.
- PRIMEIRA LEITURA, São Paulo: n. 17, jul. 2003. Mensal.
- VEJA. São Paulo: v. 1970, n. 33, ago. 2006. Semanal.

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